Sem a introdução massiva de carros não poluentes nas cidades e rodovias do mundo, o equilíbrio da crise climática se torna, em última análise, impossível.
Quando começaram a ser desenvolvidos?
Bem antes do icônico modelo à combustão produzido em massa, o Ford T, os carros elétricos vinham sendo estudados e desenvolvidos como uma opção bastante viável para o setor automobilístico desde o século XIX. Tanto é assim, que o reconhecimento pelo “primeiro carro elétrico” ainda é disputado.
Um modelo experimental em miniatura foi construído pelo húngaro Ányos Jedlik em 1828, e outro protótipo – este movido pelos princípios do eletromagnetismo – foi construído pelo holandês Sibrandus Stratingh em 1835. No entanto, foi em 1881 que o francês Gustave Trouvé desenvolveu um modelo triciclo que podia ser guiado por um motorista.
Não obstante, com o crescimento vertiginoso da indústria petrolífera, o início do século XX viveu a popularização do automóvel trazida pelo modelo T de Henry Ford: o carro à combustão que definiria a matriz produtiva automobilística dali por diante.
Mesmo assim, os carros elétricos nunca sumiram de fato. De tempos em tempos as montadoras apresentavam um novo modelo para lembrar ao mundo que uma alternativa ao petróleo permanecia possível, se ainda não desejável. Estamos falando de modelos muito mais bem acabados como o Tama da Tokyo Electro Automobile (atual Nissan) de 1947, e aquele que foi um verdadeiro sucesso, porém misteriosamente descontinuado: o EV1 da General Motors de 1996.
Com esse retrospecto é possível inferir que o curso natural da indústria automobilística seria o desenvolvimento de motores elétricos, não fosse a rápida expansão da indústria petrolífera que deu aos modelos à combustão um caminho muito mais direto para o amplo acesso ao mercado consumidor de automóveis.
Impactos econômicos da chegada dos carros elétricos
A crise climática que se assoma e se avizinha já está produzindo transtornos em todas as partes do mundo, dando sinais claros de que estamos atrasados nas atitudes necessárias para impedir seus piores efeitos.
A troca do modal para fontes limpas e renováveis de energia é uma urgência, e felizmente temos visto muitos movimentos nesse sentido, ainda que tardios. Entre eles está o esforço de ampliar em escala mundial a disponibilidade dos carros elétricos no mercado. Países como o Reino Unido e membros da União Europeia já estão prevendo leis para impedir a produção de carros à combustão a partir de 2030/35.
Essa decisão tem base em fatos muito claros. Cerca de 70% do volume de gases poluentes emitidos na atmosfera são decorrentes do trânsito dos modelos de combustão fóssil, segundo o Inventário de Emissões Atmosféricas do Transporte Rodoviário de Passageiros no Município de São Paulo.
A economia global funciona de maneira extremamente intrincada, e no centro das suas operações está a indústria do petróleo literalmente movimentando uma parcela muito significativa da produção mundial.
É ingênuo pensar que uma mudança tão substancial no núcleo motor de toda essa logística global possa acontecer de forma simples e rápida, mas podemos prever que a desvinculação dos preços do transporte de mercadorias do preço do petróleo, e a maior capacidade de países periféricos se tornarem menos dependentes desse recurso vai fazer com que o desenvolvimento seja, de fato, menos custoso e mais limpo.
No entanto, a implementação deste passo deve, definitivamente, passar por análises pormenorizadas e ocorrer por etapas, respeitando o tempo de adaptação de cada região do planeta ao novo modelo energético e evitando maiores turbulências econômicas.
Mesmo assim, o fato permanece: muitas das grandes montadoras do mundo como Volkswagen, General Motors, Toyota, Volvo e Ford já estão anunciando o fim da linha de seus modelos à combustão por volta de 2030/35, empurradas pela questão ambiental e assustadas com a valorização exorbitante da Tesla de Elon Musk.
Os desafios para a implementação dos carros elétricos no Brasil
Tecnologicamente eles já atingiram um patamar adequado: a autonomia dos carros elétricos já é a mesma dos carros à combustão, o conforto também é o mesmo, seu desempenho chega a ser superior em alguns casos (o Tesla Model S P100D faz de 0 a 100km/h em 2,3 segundos), e eles ainda tem a vantagem de serem silenciosos. Os custos para manter carros elétricos também são uma grande vantagem já que eles consomem R$0,10 por km rodado (um terço do gasto de um carro 1.0 à gasolina) e sua manutenção é simples.
A Noruega recentemente se tornou o primeiro país a ter mais carros elétricos e híbridos emplacados (54% em 2020) do que modelos à combustão.
Então qual a dificuldade para a implementação dos carros elétricos no Brasil?
Para o professor de engenharia mecânica da Escola Politécnica da USP, Marcelo Augusto Alves, “A questão do veículo elétrico, em particular no Brasil, não é só tecnológica, ela é uma questão de política econômica e industrial” – leia as opiniões do professor sobre este assunto aqui.
Não é possível discordar do professor, uma vez que os preços para comprar um carro eclético simples no Brasil hoje giram em torno de 200 mil reais; um montante capaz de adquirir carros de luxo à combustão.
Existem algumas explicações para isso. O primeiro ponto a ser observado é que nosso sistema de tributação desfavorece um pouco o movimento da eletrificação dos carros. O IPI, por exemplo, se baseia no peso do automóvel e, por conta da bateria, os carros elétricos chegam a ser 3 vezes mais pesados que os modelos convencionais.
No entanto, mesmo que houvesse uma redução drástica no IPI dos automóveis, o preço dos carros elétricos continuariam muito altos, e o segundo motivo é que eles ainda não vendem o suficiente para se tornar uma economia de escala – parte da culpa é também da indústria automobilística que ainda posiciona os elétricos como carros de luxo no Brasil.
Por fim, carros elétricos são naturalmente mais caros e não há o que se fazer sobre isso, a não ser oferecer subsídios aos compradores; uma prática que está surtindo efeitos muito positivos em todo o mundo e que está sendo amplamente discutida aqui no Brasil. Nós já contamos com a isenção do Imposto de Importação nacionalmente e isenção de IPVA para alguns estados, e temos (travados) no Congresso Nacional projetos de lei que visam de fato isentar ainda o IPI, PIS/Pasep e Cofins.
Até que ponto os carros elétricos podem contribuir para o meio ambiente?
Como já mencionado, embora a circulação de carros que utilizam combustíveis fósseis seja responsável pela maior parte do volume de emissões de gases poluentes na atmosfera, a troca pelo modelo elétrico – mesmo considerando a hipótese da sua totalidade – ou seja, que todos os modelos à combustão de fontes não renováveis sejam substituídos pelos eletrificados (algo que levará bastante tempo), não vai, sozinha, inverter a balança climática mundial.
É muito importante ter e difundir essa consciência de que os modelos de carros elétricos devem se somar a muitas outras iniciativas, inclusive às necessidades infra-estruturais para produzi-los, mantê-los em circulação e oferecer um descarte adequado para as baterias.
Além disso, a realidade é que os carros elétricos não são livres do carbono. Toda a atividade industrial envolvida para a sua fabricação, a produção energética necessária para sua circulação que, nos maiores polos produtivos do mundo ainda é majoritariamente fóssil, e a mineração dos metais que compõem as baterias de íons e lítio são questões que devem ser consideradas.
Porém nenhuma dessas ponderações, que são imprescindíveis, vão significar que a iniciativa não valha o esforço – muito pelo contrário! Sem a introdução massiva de carros não poluentes nas cidades e rodovias do mundo, o equilíbrio da crise climática se torna, em última análise, impossível.